Recordações
Uma boa parte das minhas recordações de infância são na Amadora.
Numa casa de 1.º andar, em que o rés-do-chão foi moradia dos meus avós durante muito tempo e mais tarde, casa de férias.
Numa altura em que se podia ficar a brincar na rua até ser escuro e que um portão para o quintal fechado no trinco era o suficiente para impedir alguém de entrar.
Numa época em que, em criança, podia ir sozinha à loja comprar rebuçados em forma de laranjas, limões e morangos, guardados em grandes frascos de vidro num balcão de madeira.
É engraçado, lembro-me como se fosse hoje, até o cheiro, se fechar os olhos, consigo sentir.
Do patamar frio, o barulho da chave a abrir a porta.
O hall, do lado direito o quarto que dava para a frente e do outro lado, o corredor.
Em frente, a casa-de-banho. Por baixo de uma janelinha, a sanita, com um autoclismo alto com uma corrente. De um lado a banheira e no chão um tapete em forma de pé.
Do lado esquerdo, a cozinha, com uma porta para o quintal, que tinha plantas e gaiolas, um portão para um largo, onde tantas vezes brinquei. Com um túnel para passar para a rua da frente. Túnel esse que o meu irmão tão bem se lembra, certamente, pois lá caiu e feriu o joelho, com as cicatrizes ainda hoje a comprovar (hei-de lhe perguntar...).
Em frente à cozinha, do lado direito do corredor, a sala-quarto, com um beliche, um sofá, uma cómoda enorme com quinas afiadas (que se me espetaram nas costas quando caí da cama de cima do beliche, julgando que me encontrava na de baixo, tal era o sono).
Cómoda essa que tantas recordações traz. No fundo, por baixo de todas as gavetas, o que à vista desarmada parecia apenas um enfeite na madeira, veio mais tarde a revelar-se uma gaveta secreta cheia de brinquedos, bonecos e muitas histórias de brincadeiras.
Como o armário baixo de portas de correr no corredor, com os livros (o que me lembro daquele livro das festas do ano) e os brinquedos (a coelha de madeira azul com rodas encarnadas, um cordel para puxar e os coelhitos filhos, brancos e azuis, que se punham nas costas da coelha mãe)...
Lembro-me de à noite, ao adormecer, ouvir os latidos dos cães da vizinhança e, mesmo já tendo adormecido noutros lugares, com outros latidos, o som não é o mesmo...
Uma casa onde me lembro do "Verão Azul", que parece tão diferente visto agora. A série continua igual, talvez seja a forma de ver que mudou.
São memórias doces, que lembram uma infância feliz. Uma parte da infância, pois mais tarde a cidade foi preterida pelo campo. E também aí houveram brincadeiras, risos e alegrias.
Mas isso fica para outra vez, são outras histórias...